Artigo Rafael
Itamar de Siqueira Mendonça
Em São Paulo, as periferias são o centro de duas figurações recentes e dicotômicas: a da violência urbana que pede mais repressão e a do desenvolvimento social, que transformaria pobres em “Classe C”. Este artigo argumenta que a representação da “violência urbana” retirou o centro da “questão social” contemporânea dos “trabalhadores”, deslocando-o aos “marginais”. A derrocada do universalismo inscrito nesse deslocamento enseja um governo seletivo que recorta a população em distintos graus de “vulnerabilidade” e níveis de “complexidade” da intervenção estatal; como efeito colateral, emergem distintos regimes normativos nas periferias – por exemplo: estatal, do “crime” e religioso – que embora estejam sempre em tensão, encontram coesão no fato de regularem mercados monetarizados. O dinheiro passa a mediar à relação entre os grupos recortados e suas formas de vida que, sob outras perspectivas – a lei ou a moral – estariam em alteridade radical; o consumo emerge como forma de vida comum e a expansão mercantil, aposta de todos, conecta mercados legais e ilegais, inclusive fomentando a violência urbana que pretensamente controlaria.
INTRODUÇÃO
Em São Paulo, Deus é uma nota de cem. Racionais MC’s, 2002
Se nunca houve consenso na bibliografia brasileira especializada em grupos que estudam a pobreza¹, recentemente suas vertentes pendularam entre argumentos tão consistentes, quanto divergentes. De um lado, enfatizou-se a expansão da cidadania, comprovada pela maior cobertura das políticas e melhoria dos indicadores sociais (inclusive desigualdade de renda), mas também pela manutenção de marcos legais progressistas, consolidação da participação social em conselhos, estabilidade da democracia institucional, além da enorme expansão das capacidades de consumo e crédito populares².
De outro, denunciou-se o recrudescimento da insegurança e a militarização da ordem urbana, a criminalização da pobreza e sua