Anômalo

428 palavras 2 páginas
Sua visão ainda estava turva enquanto caminhava pelas entranhas da cidade central, em direção ao consultório do Doutor, vez ou outra suas pernas se trançavam, perdia o equilíbrio, cambaleava, se apoiava nos muros imundos. Eis que, tirando-o de sua dança solitária, uma sombra disforme roça-lhe a perna, e com isto recebe um trôpego chute canhoto, sendo lançada num vôo breve em direção à parede grafitada do Beco 43, pousando desajeitadamente sobre o lixo acumulado. Do chão a coisa emitiu um som ininteligível e rastejou entre os sacos, de volta à escuridão. Às suas costas o caminhante podia ouvir a criatura revirando qualquer lata. Arthur viera colocar-se sob os cuidados do Doutor em outras ocasiões, e em nenhuma delas a visão da antiga porta de ébano do consultório havia lhe trazido algum conforto. Tal qual um animal teme a entrada da clínica veterinária ao associá-la à vacina, ele temia aquele portal que o levava direto às suas fraquezas e falhas mais profundas. Agora, mais que nunca, não sabia ao certo o que mais lhe assustava, sua anomalia ou o tratamento para esta. Entretanto, aqui estava novamente, apreciando as esculturas na porta da antiga propriedade, tateava com a ponta suja de seu indicador: o curso de um rio, diante de uma montanha coroada por aves em um céu que talvez estivesse ensolarado, o tom noturno da madeira o impedia de discernir.
O uivo repentino do vento, aterradoramente familiar aos ouvidos do pobre bêbado, despertou-lhe medos íntimos e irracionais que encerraram seu humor contemplativo e o puseram a pressionar o botão da campainha com força excessiva, de modo que este ficou emperrado. Do outro lado da espessa peça de madeira que era a porta, podia se ouvir o dispositivo, algo como um balido doentio e ininterrupto. Arthur imaginava a eletrocussão de uma cabra constipada, quando a maçaneta desbotada girou, a porta se abriu e da penumbra que era o interior da sala, Gertrude emergiu. A velha secretária do Doutor olhava para cima enquanto

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