Adriano - Youcenar

5890 palavras 24 páginas
animula vagula blandula

pequena alma terna flutuante

Meu caro Marco,

Estive esta manhã com meu médico Hermógenes, recém-chegado à Vila depois de longa viagem através da Ásia. O exame deveria ser feito em jejum; por essa razão havíamos marcado a consulta para as primeiras horas da manhã. Deitei-me sobre um leito depois de me haver despojado do manto e da túnica. Poupo-te detalhes que te seriam tão desagradáveis quanto a mim mesmo, omitindo a descrição do corpo de um homem que avança em idade e prepara-se para morrer de uma hidropisia do coração.

Digamos somente que tossi, respirei e retive o fôlego segundo as indicações de Hermógenes, alarmado a contragosto pelos rápidos progressos do meu mal e pronto a lançar no opróbrio o jovem Iolas, que me assistiu em sua ausência. É difícil permanecer imperador na presença do médico e mais difícil permanecer homem. O olho do clínico não via em mim senão um amontoado de humores, triste amálgama de linfa e sangue. Esta manhã, pela primeira vez, ocorreu-me a idéia de que meu corpo, este fiel companheiro, este amigo mais seguro e mais meu conhecido do que minha própria alma, não é senão um monstro sorrateiro que acabará por devorar seu próprio dono.

Paz... Amo meu corpo. Ele me serviu muito e de muitas maneiras: não lhe regatearei agora os cuidados necessários. Mas já não creio - como Hermógenes pretende ainda - nas maravilhosas virtudes das plantas, na dosagem exata dos sais minerais que ele foi buscar no Oriente. Esse homem, embora perspicaz, cumulou-me de vagas expressões de conforto, demasiado banais para iludir a quem quer que seja. Ele sabe o quanto odeio esse gênero de impostura, mas não é impunemente que se exerce a medicina durante mais de trinta anos! Perdôo a esse bom servidor a tentativa de ocultar-me minha própria morte. Hermógenes é um sábio e é também bastante judicioso. Sua probidade é superior à de qualquer outro médico da corte. Tenho a fortuna de ser o mais bem tratado dos doentes. Mas nada

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