Achado não é roubado

Achado não é roubado!

Zulma de Paula (Crônica, 2011).

Soninha era uma criança filha de pais pobres, que não tinham muita condição de comprar brinquedos para as duas filhas. Sua mãe era costureira e, de vez em quando, aproveitava as sobras de tecido dos vestidos de suas clientes e costurava bonecas de pano para as filhas. Os olhos, a boca, as sombrancelhas, a habilidosa costureira bordava, dando às bonecas umas carinhas alegres ou tristes. As meninas só eram presenteadas com qualquer outro brinquedo industrializado na época do Natal, mas eram coisas simples, como uma bonequinha de plástico ou um copinho de alumínio, para tomar o leite. No geral, as brincadeiras eram feitas usando o vasilhame da mãe, como nas cozinhadinhas e casinhas. Na roça a vizinhança geralmente fica distante, de forma que as irmãs tinham somente uma a outra como companheiras de brinquedos. Dificilmente brigavam. Quando Soninha tinha cerca de quatro anos sua família se mudou para uma região distante, indo morar em uma fazenda desconhecida. Era uma casa cheia de cruzes desenhadas a carvão atrás das portas e janelas e corria o boato de que era mal assombrada. Os pais de Soninha não ligavam muito para essas conversas, mas ela só dormia com a cabeça embaixo da coberta, ainda que fizesse um calor infernal. Mas o fato que realmente marcou sua permanência nessa casa não foram as assombrações, ainda que se lembre do seu medo até hoje. O que marcou foram uns brinquedos encontrados dentro de uma cisterna que estava abandonada. Como a região era seca, o pai de Soninha mandou dar fundo na cisterna, para que ela novamente fornecesse água para a casa. Durante esse procedimento o cisterneiro retirou, junto com o barro que entupia a cisterna, uma série de brinquedos, como pratinhos, colherinhas, garfinhos e pequenas xícaras. Soninha e sua irmãzinha ficaram encantadas com aqueles brinquedos, pois nunca haviam tido nada igual. Com eles brincaram de casinha por um bom tempo, sem usar as vasilhas da