2011esse71 Psproenca

6159 palavras 25 páginas
estudos semióticos www.fflch.usp.br/dl/semiotica/es issn 1980-4016 semestral junho de 2011

vol. 7, no 1
p. 106 –113

A construção da competência para a infidelidade, em Dom Casmurro
Paulo Sérgio de Proença∗

Resumo: Dom Casmurro é um livro que suscita reações instigantes, relacionadas à dúvida que paira sobre a infidelidade conjugal de Capitu. Embora o romance não registre nenhuma prova cabal de que ela tenha de fato cometido o adultério, o narrador do romance tenta persuadir o leitor de que isso fatalmente aconteceu, porque era verossímil; em outras palavras, ela tinha a competência semiótica para realizar a performance.
Essa constatação é explosiva na pena de um narrador ciumento. Deve-se observar que o fato de tomar por certo o que é virtualmente circunscrito pela verossimilhança é resultado de construção discursiva. Ocorre que a arte ficcional de Machado envolve essa operação narrativa em uma rede de ambiguidades que faz de alguns personagens envolvidos potenciais adúlteros; além disso, a própria narração é permeada por omissões e contradições. Como resultado, temos que, se Capitu é potencial esposa infiel, o narrador não tem competência para a acusação, porque não esconde a tendência de hiperbolizar a competência da esposa para o adultério e nada tem a dizer propriamente sobre o ato em si mesmo. Há uma acusação sem provas; ou melhor: a única prova é o relato. Para o veredito final, o leitor deve considerar a competência de Escobar, do próprio narrador-personagem e, além disso, a própria narração, com suas ambiguidades e contradições. O amparo teórico será fornecido pela semiótica greimasiana, mais precisamente pela sequência canônica do nível narrativo do percurso gerativo de sentido.
Palavras-chave: competência semiótica, Dom Casmurro, Machado de Assis, infidelidade

Considerações iniciais
Silviano Santiago, em conhecido trabalho sobre Dom
Casmurro, intitulado “Retórica da Verossimilhança”
(2000, p. 27), afirma que a obra de Machado de Assis é
“um todo

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