14 Bourdieu O Racismo Da Inteligencia
Pierre Bourdieu
Primeiramente eu gostaria de dizer que é preciso ter em mente que não há um racismo, mas vários racismos: há tantos racismos quantos grupos que precisem justificar sua existência como tal, o que constitui a função invariante dos racismos.
Parece-me muito importante, analisar as formas de racismo que, sem dúvida, são as mais sutis, as mais irreconhecíveis, e portanto as mais raramente denunciadas, talvez porque os que comumente denunciam o racismo possuam certas propriedades que levam a esta forma de racismo.
Estou pensando no racismo da inteligência. O racismo da inteligência é um racismo da classe dominante que se distingue por uma enorme quantidade de propriedades daquilo que se costuma designar como racismo, isto é, o racismo pequeno-burguês que é o objetivo central da maior parte das críticas clássicas ao racismo, a começar pelas mais vigorosas, como a de Sartre.
Este racismo é próprio de uma classe dominante cuja reprodução depende em parte da transmissão do capital cultural, capital herdado que tem como propriedade o fato de ser um capital incorporado, e portanto, aparentemente natural, inato. O racismo da inteligência é aquilo através do que os dominantes visam a produzir uma "teodicéia de seu próprio privilégio", como diz Weber, isto é, uma justificativa da ordem social que eles dominam. É isto que faz com que os dominantes se sintam justificados de existir como dominantes; que eles se sintam como possuindo uma essência superior. Todo racismo é um essencialismo e o racismo da inteligência é a forma da sociodicéia característica de uma classe dominante cujo poder repousa em parte sobre a posse de títulos que, como os títulos escolares, são considerados como uma garantia de inteligência e que substituíram, em muitas sociedades, mesmo em relação ao próprio acesso às posições de
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Intervenção no colóquio do MRAP, em maio de 1978, publicada em Cahiers Droit et Liberté
(Races, societés et aptitudes: apports et limites