05 Celiregina

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A

crise das grandes narrativas e a generalizada descrença nos projetos emancipatórios, associadas à expansão dos

CÉLI REGINA JARDIM
PINTO é professora do Departamento de
Ciência Política da
Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.

movimentos sociais – ou até deles derivadas –, principalmente os de natu-

reza identitária, colocaram a democracia frente a um cenário ao mesmo tempo complexo e contraditório, nas últimas década do século XX: por um lado, mais do que nunca, generaliza-se um consenso em torno da democracia, vista como um valor universal a ser defendido e garantido; por outro, o modelo democrático liberal, que de certa forma parte das grandes narrativas, tem sido constantemente posto em xeque pelos novos agentes sociais e políticos que emergem nestas décadas. Se a democracia é reconhecida como um valor, seus princí-

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REVISTA USP, São Paulo, n.42, p. 56-69, junho/agosto 1999

CUL

A democracia desafiada: presença dos direitos multiculturais TURA

CÉLI REGINA JARDIM PINTO

pios universalizantes passam a funcionar como um entrave à incorporação de novos direitos, de culturas diferenciadas, de necessidades alternativas.

LIS

Ao longo do século XX identificam-se dois pólos diametralmente opostos de campo de luta de cunho libertário, que se confrontaram com a democracia liberal: em um extremo, encontra-se o socialismo de extração marxista, que buscou uma sociedade regida por “uma grande narrativa”, capaz do total apagamento de qualquer diferença. No outro extremo, gesta-se nas últimas décadas do século um radical multiculturalismo, de extração pós-moderna que, advogando o completo direito ao reconhecimento de tantas identidades culturais quantas forem as existentes e/ou propostas, deixa para um obscuro segundo plano as questões que concernem à justiça social.
Os dois extremos dividem entre si uma espécie

MO

de perverso essencialismo. Se antes a verdade estava essencialmente dada por um discurso unitário e universal, onde cada coisa, cada sujeito

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