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Lilia Moritz Schwarcz
Durante as gravações do filme Dona Flor e seus dois maridos, Jorge Amado, José Wilker e Sônia Braga visitam dona Edna Leal de Melo em sua escola de culinária, que inspirou a escola do romance.
Salvador, 1975
34 Caderno
de
Leituras
Jorge Amado nunca pretendeu ser intérprete do Brasil, mas sempre o foi.
Suas personagens são pessoas retiradas das ruas de Salvador; a Bahia que descreveu foi aquela dos costumes misturados, dos credos cruzados e das gentes de muitas cores e mistérios. Sua ficção é sempre repleta de atores tão reais como imaginados e seu mundo de romance é povoado de um universo a um só tempo pessoal e partilhado socialmente. Por isso, em se tratando da obra de Jorge Amado, é sempre difícil dizer onde começa a ficção e quando termina a realidade. Seus amigos se destacam como personagens principais nas histórias; seu convívio familiar vira matéria de romance; sua visão da história parece metáfora; sua experiência social escorrega para o enredo e ganha vida na trama de cada obra.
Por outro lado, o romancista tem o dom de criar uma sociabilidade de equilíbrios entre opostos. O mundo de Jorge Amado é feito de trabalhadores, pescadores, prostitutas, bêbados, boêmios, mulatas fogosas, morenos espertos, professores ingênuos, mães de santo, quituteiras; mas também da elite, dos políticos e dos coronéis do cacau, com seu poder e hierarquia absolutamente estabelecidos e jamais questionados. Assim, sem desconhecer a diferença social e a desigualdade existentes no país, Amado dá a seus personagens uma convivência pouco imaginada e que dialogaria com a famosa representação criada nos anos 1930 por Gilberto
Freyre, que apostou na singularidade brasileira a partir da ideia da “democracia racial”. Quem sabe nunca tenha existido efetivamente tal democracia, mas a sua utopia sempre fez parte do “programa” amadiano.
Se Jorge Amado nunca deixou de ser um autor empatado com as questões sociais de seu tempo — e jamais