a cabeleira maupassant

2589 palavras 11 páginas
A cabeleira

As paredes da cela eram nuas, pintadas a cal. Uma janela estreita e gradeada, aberta bem no alto de maneira que não se pudesse alcançá-la, iluminava aquela pecinha clara e sinistra; e o louco, sentado numa cadeira de palha, fitava-nos com um olhar fixo, vago e assombrado. Era muito magro, com as faces encovadas e o cabelo quase branco que se adivinhava embranquecido em poucos meses. Suas roupas pareciam largas demais para seus membros secos, para o peito encolhido e a barriga afundada. Sentia-se aquele homem devastado, corroído por seu pensamento, por um Pensamento, como uma fruta por um verme. Sua Loucura, sua ideia estava ali, naquela cabeça, obstinada, insistente, devoradora. Ela consumia o corpo pouco a pouco. Ela, a Invisível, a Impalpável, a Inapreensível, a Imaterial Ideia minava a carne, bebia o sangue, extinguia a vida. Que mistério aquele homem morto por um Devaneio! Dava pena, medo e piedade, aquele Possuído! Que estranho sonho, medonho e mortal, habitava aquela testa que ele franzia em rugas profundas, permanentemente irrequietas? O médico me falou: “Ele tem terríveis acessos de fúria, é um dos dementes mais singulares que já vi. É atacado por uma loucura erótica e macabra. Uma espécie de necrofilia. Aliás ele escreveu seu diário, que nos mostra da forma mais clara do mundo a doença de seu espírito. Ali, sua loucura está, por assim dizer, palpável. Se lhe interessa, pode folhear esse documento”. Segui o doutor até seu gabinete, e ele me entregou o diário daquele homem miserável. “Leia”, disse, “e você me dirá sua opinião.” Eis o que continha aquele caderno:

Até meus trinta e dois anos, vivi tranquilamente, sem amores. A vida me parecia muito simples, muito boa e fácil. Eu era rico. Gostava de tantas coisas que não conseguia sentir paixão por nada. É bom viver! Eu acordava feliz, todos os dias, para fazer coisas que me davam prazer, e me deitava satisfeito, com a confiança serena do dia seguinte e do futuro sem preocupações.

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