Violoncelo, de Camilo Pessanha
Chorai arcadas
Do violoncelo,
Convulsionadas.
Pontes aladas
De pesadelo…
De que esvoaçam,
Brancos, os arcos.
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio os barcos.
Fundas, soluçam
Caudais de choro.
Que ruínas, (ouçam)
Se se debruçam,
Que sorvedouro!
Trémulos astros,
Soidões lacustres…
Lemes e mastros…
E os alabastros
Dos balaústres!
Urnas quebradas.
Blocos de gelo!
Chorai arcadas
Do violoncelo,
Despedaçadas…
A música do violoncelo provoca no sujeito poético um estado de alma ansioso e um sentimento de misteriosa tristeza que, é apenas sugerido por uma série de imagens e associações. O sujeito lírico não nos afirma que fica triste, ansioso, inquieto, ao ouvir o violoncelo. Mas o verso "chorai arcadas" revela-nos o carácter triste da música. O poema assenta numa intuição associ-ativa que liga o som grave do violoncelo ao sentimento de dor e de mistério. "Arcadas" designa a corrida do arco sobre as cordas. "Arcadas", por associa-ção, cria também a imagem de "Pontes" que também são "arcadas". A música evoca, pois, no seu gemer contínuo, um curso de água. A ligação ondulante dos versos das duas primeiras estrofes evoca formalmente um curso de água. Os adjectivos "convulsionadas" e "aladas" vêm dar a "pontes" a sugestão do arco que voa e provoca o vibrar das cordas. "De pesadelo" vem acentuar o movimento febril e ansioso que já tinham começado a esboçar os adjectivos "convulsionadas" e "aladas". Na 2ª estrofe, já se refere aos "arcos" das "pontes". A analogia e a con-tínua associação de palavras e conceitos são de notar: tal como o arco sobre as cordas, também as pontes são "aladas" e os seus arcos "esvoaçam", até que a sensação do rio corrente nos aparece mais clara: "Por baixo passam, /Se despedaçam, /No rio, os barcos." A tristeza está bem acentuada no poema. "Chorai arcadas" repete-se, in-tensificado, em "fundos soluçam". Não só o sentido do verbo é mais forte e os timbres mais escuros, mas também o modo do verbo se