PLATÃO
A N T ó N I O
M A N U E L
M A R T I N S
Universidade de Coimbra
FILOSOFIA E POLITICA EM PLATÃO
A influência do legado platónico na cultura ocidental é tão grande e estende-se a tantos campos que é muito difícil ter uma noção exacta da sua profundidade e extensão. Um dos textos platónicos mais lidos não só nos meios académicos mais ligados aos estudos clássicos e à filosofia mas também por um vasto público é a República que o leitor de língua portuguesa pode 1er na tradução magistral da Dr.a Maria Helena da Rocha
Pereira. Precisamente nesta obra surge com particular virulência a articulação entre política e filosofia. O contributo de Platão para o legado da filosofia política tem sido analisado, pela generalidade dos intérpretes, quase exclusivamente a partir do texto da República. É assim que acontece também com o libelo de Karl Popper em A Sociedade aberta e os seus
Inimigos '. Não é nossa intenção analisar a querela em tomo da filosofia política de Platão quer ela tenha a sua origem num contexto doutrinário liberal, marxista, psicanalítico ou de uma qualquer configuração pósmodema de «pensiero debole». Partimos da constatação de que se gerou um certo mal-estar entre os leitores modernos de Platão provocado em grande parte pela convicção de que a sua filosofia política é antidemocrática e talvez mesmo elitista.
Não deixa de ser sintomático que Levinson, o grande defensor de
Platão contra os seus críticos liberais acabe por reconhecer explicitamente na sua Defesa de Platão que o ideal político do fundador da Academia
1
Karl Popper, The Open Society and its Enemies. I. London: Routledge &
Sons, 1945.
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ANTONIO MANUEL MARTINS
representa uma das configurações mais diferenciadas de «governo autoritário» 2 . Tornou-se moeda corrente separar o Platão doutrinador político
— origem de todas as perversões do pensamento político ocidental — e o
Platão epistemólogo, o fundador da «teoria geométrica do mundo» que
Popper elogia sem