Novasuavidade

2936 palavras 12 páginas
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Amor: o impossível… e uma nova suavidade
Suely Rolnik

O amor anda impossível?
Que a família implodiu, já sabemos. Isso não é de hoje. Dela restou uma determinada figura de homem, uma determinada figura de mulher. Figura de uma célula conjugal. Mas esta vem se “desterritorializando” a passos de gigante. O capital inflacionou nosso jeito de amar: estamos inteiramente desfocados. Muitos são os caminhos que se esboçam a partir daí: do apego obsessivo às formas que o capital esvaziou (territórios artificialmente restaurados) à criação de outros territórios de desejo, topamos com inúmeros perigos, por vezes fatais.
Em um dos extremos, é ao medo da desterritorialização que sucumbimos: nos enclausuramos na simbiose, nos intoxicamos de familialismo, nos anestesiamos a toda sensação de mundo, endurecemos. No outro extremo — quando já conseguimos não resistir à desterritorialização e, mergulhados em seu movimento, tornamo-nos pura intensidade, pura emoção de mundo —, um outro perigo nos espreita. Fatal agora pode ser o fascínio que a desterritorialização exerce sobre nós: ao invés de vivê-la como uma dimensão imprescindível da criação de territórios, nós a tomamos como uma finalidade em si mesma.
E,

inteiramente

desprovidos

de

territórios,

nos

fragilizamos

até

desmanchar

irremediavelmente.
Entre esses dois extremos, ou essas diferentes maneiras de morrer, ensaiam-se desajeitadamente outros jeitos de viver. E todos esses vetores da experimentação coexistem, muitas vezes na vida de uma mesma pessoa.
No primeiro caso, Penélopes e Ulisses — sobreviventes do naufrágio da família — encarnam em todos nós, nos arrastando para essa maldita simbiose que nos persegue, homens e mulheres, só variando seu estilo. Essa maldita vontade de espelho. Essa sede insaciável de absoluto, de eterno. Sede que não nos dá trégua e que nos afasta de todos os fios do mundo — humanos ou não — com que poderíamos estar tecendo territórios, nos

2 tecendo. Na imobilidade ranheta de Penélope (que

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