Medo e Fronteiras - Notas sobre cidadania no Brasil
Mariana Fonte Silva
As democracias liberais devem enfrentar uma tensão que subjaz sua efetivação: ao estabelecerem um plano político e social adequado à diversidade de seus cidadãos para que os indivíduos sejam representados no espaço público, também deve garantir a liberdade privada dos seus cidadãos. Ao mesmo tempo que o liberalismo atua sobre o perigo da “tirania da maioria”, seus valores e práticas ensejam a intensificação de um processo de valorização do mundo privado ao priorizar a ação e os interesses individuais, obscurecendo os processos constitutivos do espaço público.
Daí decorre que as relações econômicas e o bem-estar material não são suficientes para conferir sentido à construção da unidade política dos cidadãos, de forma que a ação conjunta se vê afetada, caindo-se em uma polarização que dá substrato para que parcelas da população compreendam políticas públicas como “tirar de uns para dar a outros”.
Essa percepção, mesmo que não se fundamente na realidade, não só fratura a ideia de unidade política do Estado, como aprofunda diferenciações, as quais aparecem nas narrativas dos cidadãos sobre seu mundo. Por conseguinte, o sentido próprio da noção de cidadania é prejudicado devido à importância crescente que processos de natureza individual, como o consumo, o trabalho e a segurança ganham em nossa democracia.
A separação entre política e economia é difícil, de modo que ambas aparecem imbricadas e na narrativa dos cidadãos. As análises da fala do crime realizadas por Caldeira (2011, p. 39) deixam isso mais claro:
“Na fala do crime, o medo do crime se mistura com a ansiedade sobre inflação e posição social; a condição individual se entrelaça com a situação social e com as transformações na cidade, no espaço público e no bairro; as experiências biográficas refletem as condições sociais. Na verdade, é a translação recorrente e a reflexão contínua desses diferentes níveis por meio do vocabulário do