Mas o que

22862 palavras 92 páginas
A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER

Milan Kundera

Milan Kundera nasceu em 1929 em Brno, na Tchecoslováquia. Em 1975, fixou residência em Paris, tendo entretanto adotado a nacionalidade francesa. Toda a sua obra ficcional (A Insustentável Leveza do Ser, A Brincadeira, A Valsa do Adeus, A Vida não é Aqui e a Imortalidade), bem como o ensaio A Arte do Romance, se encontram editados em Portugal.
Principais prêmios que obteve: Prêmio da União dos Escritores Checoslovacos (1968); Prêmio Médicis (1973); Prêmio Mondello (1978); Prêmio Commonwealth (1981); Prêmio Literário Americano do Los Angeles Times (1984); Prêmio Jerusalém (1985).

PRIMEIRA PARTE

O PESO E A LEVEZA

O eterno retorno é uma idéia misteriosa de Nietzsche que, com ela, conseguiu dificultar a vida a não poucos filósofos: pensar que, um dia, tudo o que se viveu se há‑de repetir outra vez e que essa repetição se há‑de repetir ainda uma e outra vez, até ao infinito! Que significado terá este mito insensato?
O mito do eterno retorno diz‑nos, pela negativa, que esta vida, que há‑de desaparecer de uma vez por todas para nunca mais voltar, é semelhante a uma sombra, é desprovida de peso, que, de hoje em diante e para todo o sempre, se encontra morta e que, por muito atroz, por muito bela, por muito esplêndida que seja, essa beleza, esse horror, esse esplendor não têm qualquer sentido. Não vale mais do que uma guerra qualquer do século XIV entre dois reinos africanos, embora nela tenham perecido trezentos mil negros entre suplícios indescritíveis.
Mas algo se alterará nessa guerra do século XIV entre dois reinos africanos se, no eterno retorno, se vier a repetir um número incalculável de vezes?
Sem dúvida que sim: passará a erguer‑se como um bloco perdurável cuja estupidez não terá remissão.
Se a Revolução Francesa se repetisse eternamente, a historiografia francesa orgulhar‑se‑ia com certeza menos do seu Robespierre. Mas, como se refere a algo que nunca mais voltará, esses anos sangrentos

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