Filosofia
Acontece que eu já não tinha mais para onde levar a conversa. O cara não colaborava, ele não era nem um pouco bom de papo. Como ainda tínhamos um longo caminho pela frente até a estação final, comecei a apelar — inconscientemente, é claro. Não costumo sair apelando por aí sem saber direito com quem.
— E aí, você gosta de músicas, gatinhos, almofadas, bebidas, plantas, números, letras, palavras, algo assim?
— Hum?
— É. Algo assim.
— Não sou muito bom com as palavras.
— Entendi. Quais são suas palavras preferidas?
— Hum?
— As minhas são “puta” e “merda”, mas só as duas juntas, assim: “puta merda”.
— Ah, sim.
— É a melhor dupla de palavras da língua portuguesa, porque uma ameniza o sentido da outra. Você consegue perceber?
O desconhecido bufou.
Eu continuei.
— Experimente chegar para uma mulher e falar só “puta” para ver a reação. Ela com certeza vai ficar ofendida, xingar sua mãe, todas essas coisas.
— É verdade.
— E se você mostrar o seu trabalho a alguém e a pessoa falar só “merda”, você vai ficar ofendido também, não é mesmo?
— Com certeza.
Ele soltou um sorrisinho e eu me empolguei para continuar.
E continuei.
— Mas, se você chegar para a mesma mulher e falar “puta merda”, ela começará a se sentir a gostosa do pedaço. E se mostrar o seu trabalho para alguém e ouvir um “puta merda”, terá a certeza de que é o profissional do ano (não que você realmente seja, ou não seja, você entendeu). “Puta merda”, juntas, ganham mais ou menos o sentido de “sensacional”.
— Nunca tinha parado para pensar nisso, mas até que você tem razão.
Ele havia falado mais de duas palavras seguidas. Eu sabia que tinha ganhado o cara ali e que seríamos amigos até o final. Da linha, mas, ainda assim, um final.
Continuei.
— Mas há também o lado obscuro dessa dupla de palavras. É uma das piores expressões de descontentamento que existem. Se alguém fala “puta merda” dando uma leve balançada na cabeça, você já sente no