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1489 palavras 6 páginas
CONTO
O HOMEM
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS ROMÂNICAS

Sophia de Mello Breyner Andresen

Texto:

O HOMEM

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Era uma tarde do fim de novembro, já sem nenhum outono.
A cidade erguia as suas paredes de pedras escuras. O céu estava alto, desolado, cor de frio.
Os homens caminhavam empurrando-se uns aos outros nos passeios. Os carros passavam depressa.
Deviam ser quatro horas da tarde dum dia sem sol nem chuva.
Havia muita gente na rua naquele dia. Eu caminhava no passeio, depressa. A certa altura encontrei-me atrás dum homem muito pobremente vestido que levava ao colo uma criança loira, uma daquelas crianças cuja beleza quase não se pode descrever. É a beleza duma madrugada de verão, a beleza duma rosa, a beleza do orvalho, unidas à incrível beleza duma inocência humana.
Instintivamente o meu olhar ficou um momento preso na cara da criança. Mas o homem caminhava muito devagar, e eu, levada pelo movimento da cidade, passei à sua frente. Mas ao passar voltei a cabeça para trás para ver mais uma vez a criança.
Foi então que vi o homem. Imediatamente parei. Era um homem extraordinariamente belo, que devia ter trinta anos e em cujo rosto estavam inscritos a miséria, o abandono, a solidão. O seu fato, que, tendo perdido a cor, tinha ficado verde, deixava adivinhar um corpo comido pela fome. O cabelo era castanho-claro, apartado ao meio, ligeiramente comprido. A barba por cortar há muitos dias crescia em ponta. Estreitamente esculpido pela pobreza, a cara mostrava o belo desenho dos ossos. Mas mais belos do que tudo eram os olhos, os olhos claros, luminosos de solidão e de doçura. No próprio instante em que eu o vi, o homem levantou a cabeça para o céu.
Como contar o seu gesto?
Era um céu alto, sem resposta, cor de frio. O homem levantou a cabeça no gesto de alguém que, tendo ultrapassado um limite, já nada tem para dar e se volta para fora procurando uma resposta.
A sua cara escorria sofrimento. A sua

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