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Sectarismo e disputa religiosa no evangelho apócrifo de Judas

* Valtair Miranda é doutor em Ciências da Religião da UMESP.

O ano de 2006 realmente foi um ano especial para os estudiosos do cristianismo antigo. O motivo está na publicação de um importante documento denominado de Evangelho de Judas. Apesar de já se ter notícia da descoberta do mesmo desde meados do final do século XX, somente então ele chegou até as mãos dos pesquisadores.1
O Evangelho de Judas pertence ao contexto da pluralidade dos cristianismos do segundo século, num período onde vários grupos cristãos conviveram lado a lado, em alguns momento como grupos parceiros, noutros como rivais. O próprio texto do Evangelho revela um intenso debate entre a comunidade a ele subjacente e outros líderes cristãos do período.

A história do manuscrito

Apesar de não se ter tido acesso ao seu conteúdo até este ano, os estudiosos sabiam de sua existência por causa das citações que dele fizeram alguns autores cristãos.
Sobre ele escreveu Irineu, em meados de 180: “E dizem que Judas o traidor conheceu estas coisas e que somente por haver conhecido antes que os outros a verdade, se consumou o mistério da traição. E dizem, ainda, que foram ditas todas as coisas, celestiais e terrenas. E acreditam numa ficção de estilo, dando-lhe o nome de Evangelho de Judas”. Epifâneo, que faleceu em 403, também se refere a essa obra: “E afirmam que, por esta razão, conheceu Judas exatamente o relacionado com estas coisas. Também que a situação desejada e superior é a gnosis, e tiram este ponto de um pequeno livro sob o nome de Evangelho de Judas”. Um pouco depois, Teodoreto Cirense (460) registrou na sua obra a seguinte menção: “Dando a conhecer também um Evangelho sujo de Judas, composto por eles, pois dizem que receberam o laço como paga pela traição”.
Por estas citações, pode-se perceber que logo no início de sua circulação já era considerado um texto espúrio. De