Foi como se tivesse vivido há muito tempo. Foi como se tivesse vivido muito tempo. Os dados que se têm de sua biografia mal dão conta do que foi a aventura de sua existência. A biografia não explica a obra que deixou. E a obra é irredutível a rótulos em termos de escolas e tendências. Por isso, poucos se arriscam a responder, além dos fatos conhecidos, à perguntaaparentemente retórica: quem foi Amedeo Modigliani?
Amedeo Modigliani nasceu a 12 de Julho 1884, em Livorno, na Toscana. Modigliani é uma cidadezinha ao sul de Roma de onde uma antiga família judaica tirou seu nome. O avô de Amedeo era um rico banqueiro, mas o pai Flaminio, não passava de um pequeno homem de negócio, às portas da ruína. A mãe Eugénie Garsin, descendia de uma família de judeussefarditas estabelecida em Marselha, na França, cujas origens remontam ao filósofo Espinosa. Amedeo era o quarto filho do casal.
A figura materna representou, com certeza, papel importante na formação do menino, o último e mais frágil dos irmãos. Viva, decidida, culta, de mente aberta, Eugénie esforçou-se para que a educação de seus filhos vencesse as estreitas fronteiras da província. GiuseppeEmmanuele, o primogênito, viria a ser uma das personalidades marcantes do movimento socialista italiano. Deputado, escolherá o exílio quando os fascistas chegam ao poder.
Eugénie sentia uma ternura toda especial por Amedeo, nascido tardiamente e na pobreza. Ela se perguntava no seu diário: "Será ele um artista?" A pergunta tinha seus fundamentos. No liceu de Livorno, onde o garoto estudava, osprofessores percebiam sua inclinação pelo desenho. Freqüentemente, porém, faltava às aulas. Motivo: doença. Em 1895, com onze anos, contrai pleurisia. Em 1898, febre tifóide com complicações pulmonares. Ocupa o tempo de repouso com leituras escolhidas pela mãe: poesia clássica e moderna, ensaios ricos de máximas, aforismos e sentenças (que tanto gostaria de citar de memória em conversas nos cafés deParis), textos de história da arte.
Curado do tifo, o jovem começa seu aprendizado em pintura. A mãe o confia a Micheli, um representante livornês dos Macchiaioli - grupo de artistas florentinos, cujo ideal era um pintura realista, com fortes contrastes de luz e sombra. Uma das telas do estudante Modigliani foi achada anos depoi: é o retrato de um adolescente sentado. Não há paisagem: apenas luz friade um estúdio. Nada nesse trabalho sugere a presença de um futuro mestre. É somente o trabalho de um aprendiz bem comportado.
Em 1901, Amedeo sofre uma recaída. Está ameaçado de tuberculose, diagnostica o médico. É melhor que passe uns tempos em região de clima mais saudável, aconselha. Dias depois, em companhia da mãe, o jovem segue para Capri, no sul. Depois Nápoles, Roma, Florença. Sempreinteressado em arte, não escapa à sedução de Florença, matriculando-se na Escola de Belas-Artes. O ano é 1902.
Naquela época, Florença não significava apenas artes plásticas. Era também um centro de inquietas discussões de filosofia e literatura. Os jovens sonhavam com a glória dos poemas de D'Annunzio e se torturavam coms os tormentos de Nietzsche. Pessimismo e violência compunhavam a um só tempo aperspectiva de seu horizonte. E tramavam a tragédia de seus destinos: vários deles morrerão antes dos trinta anos, por doença ou suicídio. Por enquanto, vivos e desesperados, são os príncipes da juventude de Modigliani. D'Annunzio é seu rei. O "super-homem" de Nietzsche, sua mitologia. A pintura ocupa então um lugar quase secundário na atividade de Modigliani, posta de parte pelas intermináveisdiscussões que movimentavam as inquietas noites florentinas. É possível que seu temperamento inquieto não se satisfizesse com as tímidas inovações dos Macchiaioli. Tanto assim que, em 1903, ele troca Florença por Veneza, em cuja Escola de Belas-Artes se increve. Mas, ao invés de conduzir os estudos regulares, prefere circular pelas ruelas da cidade, olhar horas a fio os mosaicos da Igreja de São...