Análise - Amor, Clarice Lispector

Análise - Amor, Clarice Lispector
Ana dedicava-se obstinadamente à sua rotina. E começava a ver os frutos de sua dedicação à sua casa e família. Vivia por construir uma vida harmoniosa e bela, uma rotina onde pudesse sentir a raiz firme, o sentido das coisas. “E isso um lar perplexamente lhe dera”. Mas chegava um momento no seu dia em que toda sua vida vacilava de sentido. “Certa hora da tarde era perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela”.
Certo dia, voltando de bonde para casa no fim da tarde, deparou-se com algo que detonaria toda a ordem que havia construído até ali: um cego que mascava chicles. A personagem sentiu pena do cego que passava despercebido pelas pessoas na rua. A cena levou Ana para fora de sua realidade.” Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas na rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão – e por um momento a falta de sentido os deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir.” O cego lhe mostrou o lado do mundo que ela se esforçava para não ver. Ele mascava chicletes e zombava de sua cara, de sua rotina mesquinha. Ela que tanto se esforçava para manter sua vida uma bela mentira, por medo de ver a verdade. “Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava”. Agora o estrago estava feito e o mundo se mostrava para ela com toda sua crueza.
De tão desconcertada que fica, desce no ponto errado e se direciona ao Jardim Botânico. No jardim, estranha e se encanta com a violência e frieza do mundo que se apresenta aos seus olhos. O peso da natureza tecida pela vida mais fina do mundo. “A piedade pelo cego era tão violenta como uma ânsia, mas o mundo lhe parecia seu, sujo, perecível, seu.” Descobriu que fazia parte “forte” do mundo, a parte caótica, doente e doce do mundo. Ao voltar para casa percebeu que a “sadia vida que levara até agora era um jeito moralmente louco de se viver”. Ela passou, então, a amar com nojo