ANTOLOGIA DE CONTOS BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS

2107 palavras 9 páginas
ANTOLOGIA DE CONTOS BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS
Guardador João Antônio

A rua ruim de novo.
Abafava, de quente, depois de umas chuvadas de vento, desastrosas e medonhas, em janeiro. Desregulava. Um calorão azucrinava o tumulto, o movimento, o rumor das ruas. Mesmo de dia, as baratas saíam de tocas escondidas, agitadas. Suor molhava a testa e escorria na camisa dos que tocavam pra baixo e pra cima.
O toró, cavalo do cão, se arrumava lá no céu. Ia castigar outra vez, a gente sentia. Ia arriar feio.
Dera, nesse tempo, para morar ou se esconder no oco do tronco da árvore, figueira velha, das poucas ancestrais, resistente às devastações que a praça vem sofrendo.
Tenta a vida naquelas calçadas.
Pisando quase de lado, vai tropicando, um pedaço de flanela balanga no punho, seu boné descorado lembra restos de Carnaval. E assim sai do oco e baixa na praça.
Só no domingo, pela missa da manhã, oito fregueses dão a partida sem lhe pagar. Final da missa, aflito ali, não sabe se corre para a direita ou para a esquerda, três motoristas lhe escapam a um só tempo.
Flagrado na escapada, um despachou paternal, tirando o carro do ponto morto:
- Chefe, hoje estou sem trocado.
Disse na próxima lhe dava a forra.
Chefe, meus distintos, é o marido daquela senhora. Sim. Daquela santa mulher que vocês deixaram em casa. Isso aí - o marido da ilustríssima. Passeiam e mariolam de lá pra cá num bem-bom de vida. Chefe, chefe... Que é que vocês estão pensando? Mais amor e menos confiança.
Mas um guardador de carros encena bastante de mágico, paciente, lépido ou resignado. Pensa duas, três vezes. E fala manso. Por isso, Jacarandá procura um botequim e vai entornando, goela abaixo, com a lentidão necessária à matutação. Chefe... O quê? Estão pensando que paralelepípedo é pão-de-ló?
- Assim não dá.
Havia erro. Talvez devesse se valer de ajudante, um garoto molambento mas esperto dos descidos das favelas, que mendigam debaixo do sol da praça, apanham algum

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