Analise do pema ''Apontamentos'' de Alvaro de Campos

794 palavras 4 páginas
Apontamentos
A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-no especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

Trata-se obviamente de um poema pertencente a uma fase tardia de Campos, visto que a temática (e a data) apontam para esses leit motifs recorrentes como a desilusão, o cansaço, o tédio extremo perante uma vida irrealizada.
O poema inicia-se como uma espécie de introdução temática em que o "engenheiro" nos apresenta directamente o seu estado de espírito. Mas mais do que um simples estado de espírito, podemos encontrar uma confissão acerca da natureza íntima dos seus sentimentos, ou mesmo da sua psique. Campos revela a natureza múltipla da sua alma.
O tema da multiplicação (ou desmultiplicação) do eu é um tema clássico em Pessoa, mas nem por isso tão evidente em Campos. Isto porque Campos não tem por hábito ser tão racional como Pessoa, porque é por natureza emocional, dramático. E, neste poema, Campos diz-nos (ou talvez seja Pessoa através de Campos) que se sente múltiplo e que essa multiplicidade o faz sentir perdido. A multiplicidade da sua alma, que permite

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